O Estado torce contra
Teresa Costa d'Amaral
Rio de Janeiro, Jornal O Globo, 19 de abril de 2010
Teresa Costa d’Amaral
Novela é novela, vida é vida. Fico pensando no bem que a novela tem feito para o tema do direito das pessoas com deficiência. Ela não traria nada de se reparar no mundo dos socialmente incluídos mas, quando consegue colocar na conversa do motorista de táxi ou da mesa de um botequim o assunto de como é viver com deficiência, alguma coisa está mudando. Pelo menos no drama da televisão e no interesse do público as tão repetidas cenas de desrespeitos e desmandos cotidianos em relação aos direitos do deficiente não estão mais emplacando tão bem. E esse já é um excelente começo.
Mas não posso deixar de falar também dos dramas da vida real, que continuam me envolvendo e indignando mais do que a novela das oito. Fui entrevistada pelo Edney Silvestre, e ele mais uma vez me inspira. No final, veio a pergunta: - Como estamos? Melhorou? O que falta para uma vida melhor para as pessoas com deficiência?
Ele deixou pronta a bola e tive que responder: - Falta respeito. A Sociedade começa a prestar atenção, estar do nosso lado, quem sabe um dia nos entender. Mas o Estado brasileiro torce contra, podendo coloca pedras no nosso caminho.
O IBDD ganhou liminar em Ação Civil Pública para que os alvarás no Rio só sejam concedidos a estabelecimentos com acessibilidade para deficientes. Ficamos felizes, era o grande começo para termos uma cidade mais humana, mais democrática, que respeitasse o direito de ir e vir de todos. A Prefeitura parou, prestou atenção e estragou tudo. Determinou que sim, os alvarás só podem ser concedidos a locais de uso coletivo que tenham acessibilidade. Mas não pôde deixar de seguir a regra da pedra no caminho. Determinou que os estabelecimentos devem provar que são acessíveis com uma declaração do responsável. Que falta de respeito total. Nem a conscientização trazida pela novela adiantou. Já imaginou se a moda pega e os papéis se invertem? Já pensaram na alegria de ficarmos em dia com o IPTU com uma declaração pessoal? E se provarmos também com um testemunho pessoal que pagamos nosso imposto ou que nosso nome não está no SPC? Ou se em vez do bafômetro para aferir que não bebemos na blitz da Lei Seca, nos for permitido fazer um documento de próprio punho?
Falta respeito. As retinas podem ficar fatigadas e sempre haverá uma pedra no meio do caminho. O IBDD, entre o fim da tarde de uma sexta-feira e a primeira hora da segunda-feira seguinte, teve seu contrato com Furnas para prestação de serviços com mão de obra de 220 pessoas com deficiência dado de mão beijada para a AVAPE, uma ONG de São Paulo sem nenhuma atuação conhecida no Rio.
Com os recursos da administração exemplar desse projeto o IBDD mantinha 65% do seu atendimento gratuito a pessoas com deficiência. Foi preciso lutar para não perder o rumo. Afinal o projeto tinha sido idealizado, criado e implementado pelo IBDD. Foi preciso sobreviver. Por mais que protestasse nada consegui. Nossa cidade ficou socialmente mais pobre. Viver a vida em nosso país está ficando cada dia mais difícil. As pedras são muitas.
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